Um prato cheio para qualquer amante do cinema clássico, Frances (1982) conta a tumultuada trajetória da atriz Frances Farmer, uma menina espirituosa e ousada que se tornou uma estrela do cinema, mas aos poucos começou a apresentar problemas psicológicos, chegando a ser internada por anos em clínicas psiquiátricas, onde foi submetida a tratamentos radicais. Jessica Lange, no auge da beleza, protagoniza o longa, com uma interpretação impecável.
Antes de mais nada, é preciso dizer que, embora seja biográfico, o filme possui muitos elementos fictícios no roteiro, o que não significa que sua qualidade diminua por isso. Frances nasceu em Seattle e desde jovem se mostrou bastante ousada, sem medo algum de chocar os mais conservadores com suas ideias e atitudes. Aos dezesseis anos, venceu um concurso com uma redação intitulada God Dies (Deus Morre), ganhando uma certa notoriedade por conta do polêmico tema escolhido.
Após algum tempo, Frances começa a desenvolver interesse pelo teatro, sonhando em tornar-se uma grande atriz em Nova York. Ao ganhar uma viagem para a União Soviética, a jovem novamente causa alvoroço ao aceitar o convite, já que os soviéticos eram extremamente mal vistos pelos americanos. Com o intuito de desembarcar em Nova York ao retornar e assim começar sua carreira, Frances desafia a mãe e segue viagem. Mas sua chegada tão idealizada aos palcos da cidade não acontece da forma que ela imagina e ela é enviada para Hollywood, para alguns testes.
Frances amava atuar, seu maior objetivo era ser uma atriz, não uma estrela de cinema. Ao contrário de muitas jovens que sonham com a fama, seu intuito era brilhar nos palcos e interpretar personagens com conteúdo. Em Hollywood, tudo o que conseguia eram papéis que exploravam sua beleza física, o que a incomodava profundamente. Frances, acima de tudo, era uma rebelde, gostava de falar o que pensava e desafiar as pessoas, não se importava em desagradar. Mas num mundo de aparências onde os estúdios eram donos dos atores, a atriz começou a causar problemas com seu comportamento independente e explosivo, sendo frequentemente citada em tabloides por conta de seus escândalos. A forte imposição dos estúdios, aliadas às suas decepções amorosas, começaram a fazer Frances recorrer aos remédios e à bebida, além de causar danos psicológicos e reações extremas. Em pouco tempo, a atriz acabou sendo obrigada a ficar internada em instituições para doentes mentais, onde era submetida a tratamentos severos, como choques elétricos.
A partir daí, o filme retrata seu período de internação e algumas tentativas de fuga, incluindo a famosa cena onde a atriz é submetida a uma lobotomia.
A Verdadeira Francis Farmer
A verdadeira Frances Farmer e Jessica Lange (Abaixo)
Uma mulher de espírito livre e amante da arte, Frances Farmer não gostava de explorar sua beleza, preferia ser vista por seu talento e personalidade. Não dava importância para festas ou roupas, como as outras estrelas. Sua estreia nas telas foi no filme Privados do Lar (Too Many Parents, 1936).
Alguns outros sucessos de sua carreira incluem: Meu Filho é Meu Rival (Come and Get It, 1936), O Último Romântico (Rhythm on the Range, 1936) e O Ídolo de Nova York (Toast of New York, 1937).
A atriz casou com o ator Leif Erickson em 1936, porém a relação terminou em divórcio, oficializado em 1942.
Nota sobre a peça
Clifford Odets e a esposa Luise Rainer
Em 1942, Frances foi parada pela polícia por dirigir com farol alto, pois na época havia uma zona de blackout, onde não deveria haver muita iluminação por conta da Guerra, para evitar que aviões inimigos identificassem áreas de ataque. Por estar embriagada, ela desacatou o policial e foi incapaz de apresentar sua carteira de motorista. Após pagar parte do valor da multa, foi liberada em condicional, porém seus problemas com a lei ainda não haviam acabado.
A atriz não pagou o restante da multa e quase simultaneamente foi denunciada por uma cabeleireira do estúdio por agressão, o que acabou acarretando em um mandado de prisão. Na manhã seguinte, em sua audição, Frances se comportou de maneira agressiva, acusando os policiais de violarem seus direitos civis e atirando um tinteiro na direção do juiz, fazendo com que fosse condenada a 180 dias de reclusão. Assim como retratado no longa, Frances novamente se descontrolou, agredindo policiais e tentando ligar para seu advogado de um telefone público, logo sendo contida.
Jornal da época, via
A atriz não pagou o restante da multa e quase simultaneamente foi denunciada por uma cabeleireira do estúdio por agressão, o que acabou acarretando em um mandado de prisão. Na manhã seguinte, em sua audição, Frances se comportou de maneira agressiva, acusando os policiais de violarem seus direitos civis e atirando um tinteiro na direção do juiz, fazendo com que fosse condenada a 180 dias de reclusão. Assim como retratado no longa, Frances novamente se descontrolou, agredindo policiais e tentando ligar para seu advogado de um telefone público, logo sendo contida.
Cena do filme
Fotos reais da atriz na prisão
Os jornais fizeram uma cobertura ampla e sensacionalista sobre o ocorrido, abalando sua imagem pública:
Jornais da época, via
Frances acabou sendo transferida para a ala psiquiátrica de um hospital em Los Angeles e começava aí a parte mais marcante e conhecida de sua trajetória. A atriz foi submetida a diversos tratamentos radicais, comuns na época para tratar pessoas consideradas doentes mentais, como choques elétricos, injeções de insulina e banhos de gelo. Segundo seus próprios relatos, ela sofreu diversos maus- tratos durante sua internação, incluindo abuso sexual por parte de médicos e enfermeiros. Ela descreveu este período como um terror insuportável.
Frances é, possivelmente, o caso mais conhecido de um paciente submetido à lobotomia, porém há diversas controvérsias sobre o assunto. No filme, a atriz é retratada sofrendo o invasivo processo, muito comum na época. O procedimento cirúrgico causa uma baixa reatividade emocional e era usado em pessoas que apresentavam sintomas fortes de depressão, comportamento violento, dentre outras coisas, mas sua eficácia nunca foi comprovada. Existem diversas teorias sobre a atriz ter sido ou não lobotomizada. Alguns dizem que não há nenhum registro sobre a intervenção cirúrgica ter sido realizada na atriz, porém há quem defenda que ela foi sim submetida a tal tratamento. O principal argumento utilizado, é que teria sido realizada uma técnica inovadora até então, chamada transorbital, menos invasiva do que a técnica que era geralmente utilizada, denominada pré-frontal, que acarretava uma profunda apatia no paciente.
Imagem que muitos afirmam ser da atriz sofrendo a intervenção cirúrgica
Em 1950, ela foi liberada e considerada curada, porém há diversas alegações de que ela jamais foi a mesma, tendo perdido a essência de sua personalidade, principal ponto para os que acreditam na teoria de que tenha havido a lobotomia. Passou a trabalhar em hotéis, sem ser reconhecida, e em 1957 encontrou Leland C. Mikesell, um promotor de programas de rádio, que providenciou para que ela fosse entrevistada para um artigo, renovando o interesse do público e do mundo do entretenimento. Apareceu na Modern Screen e nos programas The Ed Sullivan Show e This Is Your Life, onde desmentiu os boatos sensacionalistas sobre sua vida.
Chegou a fazer ainda alguns trabalhos como atriz, mas sem muito sucesso. De 1958 até 1964, apresentou o programa Presentes Frances Farmer, em Indianapolis. A atriz faleceu em 1970, aos 56 anos.
Frances Farmer e Jessica Lange
Curiosidades:
Diversas atrizes estiveram cotadas para o papel, como Anne Archer , Susan Blakely , Blythe Danner , Susan Dey , Patty Duke , Mia Farrow , Sally Field , Jane Fonda , Goldie Hawn , Diane Keaton , Liza Minnelli , Susan Sarandon , Cybill Shepherd , Sissy Spacek , Meryl Streep , Natalie Wood e Tuesday Weld, mas a iniciante Jessica Lange acabou ganhando a disputa. A atriz foi indicada ao Oscar por seu desempenho, perdendo para Meryl Streep, por A Escolha de Sofia. No mesmo ano, concorreu também na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante e venceu, por sua atuação em Tootsie. Além dela, apenas Meryl Streep e Cate Blanchett tiveram a honra de serem indicadas em duas categorias diferentes no mesmo ano.
Jessica e Meryl, 1983
Jessica Lange e Sam Shepard, seu par romântico no longa, se conheceram durante a produção e iniciaram um relacionamento amoroso, que durou até 2009. Os dois nunca se casaram oficialmente e tiveram juntos dois filhos.
O líder da banda Nirvana, Kurt Cobain era um fã da atriz Frances Farmer, chegando a escrever a canção ' Frances Farmer Will Have Her Revenge on Seattle'. A filha do cantor com Courtney Love recebeu o nome de Frances Bean Cobain. Embora alguns afirmem que o nome foi dado em homenagem à atriz, a versão oficial é que a inspiração foi a cantora Frances McKee.
O personagem Harry, vivido por Sam Shepard, foi inspirado no político Stewart Jacobson, que afirmou ter sido amante de Frances. Pessoas próximas à atriz, no entanto, afirmam que os dois nunca se conheceram pessoalmente. Outra relação retratada no filme que não corresponde ao que realmente aconteceu, é a de Frances com sua mãe, que é uma espécie de vilã no longa. Na vida real, as duas tinham uma relação difícil, mas não da forma abordada.
Outro fato interessante é a pequena participação dos atores Kevin Costner e Anjelica Huston.
Lançamento do filme no Brasil:
A Obras-Primas do Cinema traz para o Brasil essa excelente biografia sobre uma atriz enigmática e imprevisível, infelizmente mais lembrada por seus problemas pessoais do que por sua carreira. Vale a pena conhecer um pouco mais de sua história e ter a chance de se encantar por esta mulher à frente de seu tempo que, acima de tudo, ousou ter personalidade e pensar, em uma época em que essas características não eram bem vistas. Uma oportunidade também de ver um dos maiores desempenhos da carreira da maravilhosa Jessica Lange. O dvd possui o excelente documentário Relembrando Frances (31 Min.), que fala sobre o filme e sobre a própria atriz. Você pode comprar nas melhores lojas do ramo, clicando aqui ou aqui.
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