Durante a Era de Ouro de Hollywood, vigorava o chamado studio system, que consistia em um grupo de grandes estúdios, responsáveis pela realização e distribuição dos filmes neste período. Com um sistema agressivo, os chefes destes estúdios estavam sempre em busca das maiores estrelas e das produções mais rentáveis. Durante a década 30, a Universal Pictures descobriu uma pequena mina de ouro ao investir em filmes de terror e ficção científica, que se tornaram um imenso sucesso de público. Clássicos como Frankenstein (1931), Drácula (1931), A Múmia (1932) e O Homem Invisível (1933), continuaram sendo produzidos com êxito durante as décadas de 40 e 50, incluindo as sequências dos longas mais bem sucedidos.
Vendo que a rival agradava em cheio ao público com filmes do gênero, a RKO Pictures decidiu que também iria ingressar no 'ramo' do terror. Apesar de ser responsável pela realização de grandes clássicos, como Levada da Breca (1938), Cidadão Kane (1941) e A Felicidade Não Se Compra (1946), além da maioria dos musicais da dupla Fred Astaire e Ginger Rogers, o objetivo do estúdio era transformar longas de baixo orçamento e curta duração, os chamados filmes B, em grandes sucessos de bilheteria, diminuindo assim os riscos financeiros da empreitada. Para essa missão foi contratado o produtor e roteirista Val Lewton, sobrinho da atriz Alla Nazimova, que anteriormente havia trabalhado para o todo poderoso David O. Selznick, sendo inclusive um dos roteiristas não-creditados de E o Vento Levou (1939), e o responsável por escrever a marcante cena dos soldados confederados mortos e feridos em Atlanta (foto abaixo).
O primeiro longa feito sob seu comando foi Sangue de Pantera, de 1942, com a direção de seu amigo Jacques Tourneur. A estrela do filme, interpretando a jovem atormentada por seus próprios demônios, é a francesa Simone Simon, que na história é de origem sérvia. Devido ao orçamento apertado da produção, algumas medidas criativas foram tomadas, como a utilização de luzes e sombras, para suprir a carência dos efeitos especiais, o que acabou se tornando algo positivo, pois aumentou a atmosfera sombria e misteriosa da história. Além disso, um dos cenários principais do filme, o prédio onde o casal principal mora, com sua longa escadaria, foi reciclado de Soberba, filme dirigido por Orson Welles, que havia sido gravado no mesmo ano.
Cena de Sangue de Pantera
O enredo gira em torno da imigrante Irena Dubrovna, uma jovem criada em um vilarejo na Sérvia, cercado de lendas que falam sobre mulheres amaldiçoadas que sob emoções fortes, como o ciúme ou a paixão, se transformam em panteras negras com uma sede assassina. Embora tente viver uma vida normal, dedicada ao trabalho e procurando ser uma boa pessoa, Irena nutre uma grande atração por felinos, em especial pelas panteras, indo sempre ao zoológico para observar o animal e até mesmo tentar pinta-lo.
É em um de seus passeios artísticos pelo local que ela conhece Oliver Reed (não o ator, que tinha apenas 4 aninhos na época das filmagens, e sim o galã da história, interpretado por Kent Smith), que imediatamente se encanta por ela e é correspondido. Olivier se sente extremamente atraído e envolvido por Irena, e após pouco tempo de relacionamento os dois decidem se casar, para a decepção de Alice (Jane Randolph), colega de trabalho do rapaz, que sempre o amou em segredo. Apesar de ser apaixonada pelo marido, Irena acredita plenamente ser vítima da maldição de sua terra natal e teme que consumar a relação possa trazer à tona todo o mal que existe dentro dela e que ela sempre tentou conter.
Com o passar do tempo, a relação do casal, antes apaixonada e amigável, se torna fria e distante. Mesmo procurando tratamento psiquiátrico para seu problema, a jovem não consegue ser ajudada, pois ninguém leva realmente a sério as crenças de seu país. Ao notar a proximidade de Oliver e Alice, os piores temores de Irena tornam-se realidade, pois o ciúme que ela sente é tão intenso quanto a paixão que nutre por seu marido. Embora sempre tenha tentado reprimir seu lado selvagem, Irena agora já não consegue mais conter sua fúria e gradativamente começa a perseguir e aterrorizar sua rival, transformando-se finalmente em uma pantera negra, como previa a lenda. Cada vez mais descontrolada e percebendo os sentimentos de seu marido por Alice, Irena deixa de ser a jovem doce e atormentada de antes e passa agora a ser uma temida ameaça para todos a sua volta, perdendo sua humanidade e sendo guiada apenas por seus instintos assassinos de felina.
Uma das marcas registradas do filme é a sutileza, com poucas cenas realmente de ação e de terror, focando-se mais no suspense e no clima de ansiedade dos próprios personagens. Com a utilização das luzes e das sombras, as cenas de tensão são feitas de maneira simples, mas eficaz, com destaque para a sequência onde Alice se vê encurralada na piscina, apenas vendo as sombras da pantera e escutando seus ruídos, sem que nem ela e nem o público realmente possam visualizar a figura que a persegue. A RKO inicialmente não aprovou estas ausências dos elementos de terror explícitos, acreditando que a produção não seria páreo para rivalizar com os Monstros da Universal, no entanto, o longa acabou sendo um enorme sucesso de público, ficando em cartaz por incríveis 18 semanas, e transformou-se em um grande clássico do gênero.
Com a popularidade do filme, dois anos depois, em 1944, foi lançada a sequência da história, repetindo o trio de atores principais e intitulada A Maldição do Sangue da Pantera (The Curse of the Cat People). Diferente do primeiro, o enredo deste foca-se na filha do casal Oliver e Alice, uma menina de 6 anos que preocupa os pais por estar geralmente solitária e apresentar um comportamento incomum, fazendo lembrar as estranhas tendências de Irena, além de preferir a companhia de uma ex-atriz idosa e considerada louca, ao invés de ter amigos de sua idade. O longa não tenta repetir a trama do primeiro, explorando mais a imaginação e os medos infantis do que o terror e o suspense em torno da maldição temida pela protagonista do filme de 1942.
Além da sequência, em 1982 o filme ganhou um remake, que recebeu o nome de A Marca da Pantera e foi estrelado pela bela Nastassja Kinski, além de contar com a presença de Malcolm McDowell, astro do clássico Laranja Mecânica. Embora seja uma refilmagem, o longa apresenta muitas diferenças com relação ao original, incluindo uma abordagem bem mais explícita, o oposto da sutileza apresentada na versão de 1942, mostrando a transformação da personagem em pantera e contendo diversas cenas de nudez, explorando bastante a sensualidade dos protagonistas, elemento comum em muitos filmes das décadas de 80 e 90, que abusavam da mistura de mistério e erotismo.
Saraiva - Livraria Cultura - Livraria da Folha
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