Filmes musicais provocam sempre reações adversas no público. Há os que ficam fascinados pelos espetaculares números apresentados na tela, assim como os que se entediam assistindo uma vasta gama de sentimentos serem declarados através de canções, de uma maneira nada verossímil. A verdade é que a grande qualidade deste gênero é também seu maior defeito. A falta de elementos plausíveis é o principal argumento dos críticos, porém a necessidade de adentrar em um mundo mágico com um final feliz garantido é a indubitável fórmula do sucesso para os admiradores deste estilo. Parte da realeza dos musicais, Fred Astaire e Gingers entendiam como ninguém da arte de criar uma rota de fuga da realidade, muitas vezes dolorosa, para um lugar seguro e sereno, onde por cerca de duas horas repletas de coreografias perfeitamente ensaiadas e melodias suavemente apaixonadas, nada de mal poderia lhe acontecer.
Astaire e Rogers - O início de tudo
Voando Para o Rio (Flying Down to Rio, 1933) foi estrelado pela mexicana Dolores Del Río, ao lado de Gene Raymond, como seu par romântico. Com um enredo fraco, tinha tudo para se tornar apenas mais um filme esquecível da década de 30, não fosse a presença de dois coadjuvantes que chamaram a atenção dos executivos e do público por sua enorme química. Fred Astaire e Ginger Rogers ganharam no ano seguinte seu próprio musical, chamado A Alegre Divorciada (The Gay Divorcee). Embora já houvessem alcançado uma certa fama a esta altura, a dupla voltou a atuar em papéis secundários no longa Roberta, protagonizado por Irene Dunne em 1935. Mas este ano reservava para os dois o verdadeiro divisor de águas de suas carreiras, com o lançamento de O Picolino (Top Hat), que fez um enorme sucesso de público. Astaire e Rogers protagonizariam ainda mais seis filmes: Nas Águas da Esquadra (Follow the Fleet, 1936), Ritmo Louco (Swing Time, 1936), Vamos Dançar? (Shall We Dance, 1937), Dance Comigo (Carefree, 1938), A Vida de Vernon e Irene Castle (The Story of Vernon and Irene Castle, 1939) e Ciúme, Sinal de Amor (1949).
O auge e a importância da dupla durante a Grande Depressão
Com a quebra da bolsa Nova York, em 1929, os Estados Unidos mergulharam em uma das fases mais obscuras de sua história. Durante toda a década de 30, milhares de americanos se viram devastados pela grave crise econômica do país. A falta de emprego e a escassez de alimentos, fez com que milhares de pessoas fossem afetadas, causando a ruína de diversas famílias, incluindo muitos homens de negócio, que se viram falidos da noite para o dia. A situação alastrou-se para todo o mundo, incluindo o Brasil, fazendo com que o número de suicídios aumentasse de maneira alarmante. Neste cenário de verdadeira desesperança, tudo o que o público precisava era de algumas horas de alegria e da crença de que tudo poderia ser melhor. Durante a década, comédias e musicais faziam enorme sucesso e acalentavam um povo que clamava por um pouco de ilusão. Ao assistir as histórias simples e felizes estreladas por Fred Astaire e Ginger Rogers, com suas confusões divertidas e músicas inspiradoras, as pessoas entravam em um mundo dos sonhos, onde os problemas reais não poderiam alcança-las. Não podemos deixar de creditar parte desta pureza e inocência da época ao Código Hays, responsável pela forte censura dos filmes, que visava combater qualquer tipo de fala ou cena considerada imoral, incluindo coisas bobas, como um casal aparecer deitado na mesma cama.
A magia trazida pelos filmes da dupla foi retratada por Woody Allen no filme A Rosa Púrpura do Cairo, quando a personagem de Mia Farrow vai ao cinema assistir O Picolino para esquecer sua recente decepção amorosa, traduzindo com perfeição o sentimento de 'fuga da realidade'. Veja a cena abaixo:
Um pouco sobre O Picolino
Na verdade, o marido de Madge é Horace, o companheiro de quarto de Jerry. Por uma série de situações cômicas e repletas de confusão, típicas dos filmes de comédia da década, os dois casais passam por diversos desentendimentos e momentos embaraçosos até que tudo é finalmente esclarecido.
O fator 'Astaire'
Desde que começou a ter mais poder de decisão e influência em seus filmes, Fred Astaire criou seu próprio estilo, revolucionando a forma de se filmar musicais. Ao invés dos grandiosos números repletos de cortes, onde eram mostradas tomadas de vários ângulos, com cortes para as pernas dos dançarinos e close-ups, Astaire optou pela simplicidade, preferindo mostrar as coreografias por inteiro,como se o público estivesse assistindo ao número no teatro.
Cena de Rua 42 (1933)
A dupla com Irving Berlin
O vestido da discórdia
Fred ironizou a situação cômica no filme Desfile de Páscoa, ao lado de Judy Garland, fazendo uma paródia do caso. Ele também costumava cantar uma versão alternativa da famosa canção tema, que virou "Feathers, I hate feathers/And I hate them so that I can hardly speak/And I never find the happiness I seek/With those chicken feathers dancing cheek to cheek.", onde afirmava seu ódio pelas penas.
Veja a cena (repare as penas caindo do vestido):
Coreografias
Ginger ensaiando com Hermes Pan, incrivelmente parecido com Fred na imagem
Quarto do hotel
Veneza retratada no filme
Gravação da cena mais famosa do filme
Pra você que chegou até aqui, uma novidade! O filme está sendo relançado pela Classicline e você pode adquirir seu dvd nas melhores lojas do ramo, inclusive na loja virtual da própria distribuidora (clicando aqui).
É fantástico, é a memória do patrimônio cultural do cinema.
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